Todas as letras Sotaque Brasileiro.docx

(22 KB) Pobierz

Amores, a Canção

Zebeto Corrêa e Paulinho Andrade

 

Amores brotam espontaneamente
Pelos jardins de toda a humanidade
Independente de nosso desejo
Indiferentes à nossa vontade

Seres calados, tranqüilos, serenos
Jamais perguntam o que é que pensamos
Se os queremos ou se os recusamos
O que buscamos e o que pretendemos
Jamais reparam o quanto somos pequenos
Que somos frágeis, que somos humanos

Amores chegam sem mandar recado
Os afamados mestres do improviso
Nenhum sinal anterior,
Nenhum aviso
Vêm de surpresa
São inusitados

Os visitantes mais imprevisíveis
Passam ligeiros ou perduram anos
Se manifestam,
Alteram nossos planos
Manipulando cordões invisíveis
Causam prazer e dor indescritíveis
Aos corações que estão hora habitando

Amores partem inexplicavelmente
Deixando atrás de si almas vazias
Um leito seco onde antes corria
A seiva fresca que sacia as gentes
Indo habitar outros corpos carentes
Fica sem brilho o que era estrela antes
Podem fazer de alguns grandes amantes
De outros bons amigos simplesmente

E se de ti fizeram um ser descrente
Tornei-me eu porém estrela errante...

 

Terra Santa

Zebeto Corrêa e Vânia Morais

 

Vêm de lá meus olhos perdidos na busca infinda

O cheiro doce da chuva na terra santa

Meus sonhos não esquecidos desde menino

Mergulho em mundos criados quando criança

 

Lá se vão os morros fazendo o contorno do céu

Cortados à mão por trilhas e cavalgadas

Fazendo grotas por entre o verde véu

Brotando água em pedras pelas estradas

 

E os velhos sons das vogais escancaradas

Do estalido da lenha ardendo no fogão

Da chuva açoitando a terra molhada

Das águas apressadas do ribeirão

 

Dias longos, noites de eterno e sincero deleite

De primos, risadas e flores nos canteiros

Sanfona, batuque, viola no terreiro

Mil luzes de estrelas cadentes em ciranda

 

E o cheiro que vinha de dentro da mata, manhã cedo

Parecia feito de sonhos, diademas

Ao longe o canto risonho das siriemas

Quebrando o silêncio sereno das varandas

 

E os velhos sons das vogais escancaradas

Do estalido da lenha ardendo no fogão

Da chuva açoitando a terra molhada

Das águas apressadas do ribeirão

 

Sotaque Brasileiro

Zebeto Corrêa e Cláudio Chaves

 

Quero, nas ruas deste Porto Alegre

Ouvir das gurias o encanto que jaz e faz, minha dúvida,

Capaz que eu não volte pra cá, ou que não me apaixone na trilha

Feito o açoriano que se apaixonou por sua ilha

 

Como fosse filha, como fosse única, mudei direções

Quem sabe pra riba, talvez Curitiba, talvez Paraná

Quem sabe as lavouras, as louras, ou mais, nos cafezais,

Beber leite quente, beber aguardente, beijar a nissei

 

Sotaque brasileiro, flor de igarapé

Vitória que é régia e é de onde descendem

O Açaí, pequi, cacau, butiá, tupo, arawetê,

Na miscigenação a gente se entende

 

Mas era fronteira, Sampa, Mantiqueira, vale do Ribeira,

Lençóis, laranjais, ribeirões, gente que não acaba mais

E eu tão perto dos morros e dos litorais que o meu Redentor

Abençoa com o olhar, e o povo de lá vai na boa, na paz

 

E eu colhendo neste chão sotaques diversos, de tantos Brasis

Que mesclam minha terra, e quem sabe por isso se chama Gerais

Que é rica em minas, em cantos e encantos, é um trem “bão dimais”

E é parte da soma deste idioma que eu chamo país

 

Sotaque brasileiro, flor de igarapé

Vitória que é régia e é de onde descendem

O Açaí, pequi, cacau, butiá, tupo, arawetê,

Na miscigenação a gente se entende

 

Salva-me Salvador que eu não vou parar de cantar

Meu boi do Maranhão que nunca morreu lá no Piauí

Bato no teu tambor oh minha flor do Amapá

Manda um recado aí pro meu parente de Parintins,

 

Sotaque brasileiro, flor de igarapé

Vitória que é régia e é de onde descendem

O Açaí, pequi, cacau, butiá, tupo, arawetê,

Na miscigenação a gente se entende

 

Dançando com os leões

Zebeto Corrêa

 

Ao poeta cabe caminhar na corda bamba

Ser ao mesmo tempo o domador e a bailarina

(Com o passo certo pra dançar entre os leões

e a sua própria sina...)

Sim, a sina do poeta é incerta, inexata

Sua rota não se enquadraria numa linha reta

 

Ao poeta cabe levitar por sobre as águas

Ser ao mesmo tempo caravela e ventania

(Com o verso certo pra expressar a sua dor e as suas alegrias...)

Sim, a tempestade é o trigo que o alimenta

O poeta nunca se contenta com a calmaria

 

Ao poeta sempre coube dar a outra face

Sem disfarces sua vida é um livro aberto

Sem conserto o bobo segue e quer brincar com fogo

Vai se lambuzar do mel da vida até cair no choro

Vai se lambuzar do mel da vida até cair no sono

Vai se lambuzar do mel da vida...

 

Junho de Todos os Santos

Zebeto Corrêa

 

Na minha noite inesquecível de junho

O frio era mais um motivo pra fazer a festa

E o desafio – chapéu quebrado na testa - :

Tirar a menina bonita pra dançar quadrilha

 

Na minha noite inesquecível de junho

A mãe perfumava a casa com pé-de-moleque

Os tios chegavam trazendo o quentão e os enfeites

E o rádio era o ponto de encontro de toda a família

 

Por que São João foi dormir tão cedo?

Não viu sua filha fugir com Pedro?

Acho que Antônio jamais se recuperou do trauma

Virou santo casamenteiro pra lavar a alma

 

Na minha noite inesquecível de junho

Irmãos e primos brincavam soltos na rua

Os cães faziam serenata pra lua

Estrelas eram bandeiras cobrindo o salão

 

Na minha noite mais que perfeita de junho

Meu pai era um jeca mais chique que o Mazaropi

Seu violão dava o tom e puxava o mote

Pra gente pular a fogueira e soltar o balão

 

Por que são João terminou tão cedo?

Agora só resta esperar São Pedro

No Santo Antônio que vem eu vou enfeitar lá fora

Com as cores dessa lembrança que me devora

 

Na minha noite mais que perfeita de junho

Meu pai era um jeca mais chique que o Mazaropi

Seu violão dava o tom e puxava o mote

Pra gente pular a fogueira e soltar o balão

 

Por que são João terminou tão cedo?

Agora só resta esperar São Pedro

No Santo Antônio que vem eu vou enfeitar lá fora

Com as cores dessa lembrança que me devora

 

O tempo se foi e ainda era cedo

Sumiu Santo Anônio, cadê São Pedro?

Um dia eu volto pra casa pra festejar São João

Quero acender a fogueira do meu coração...

 

Por que São João foi dormir tão cedo? Tão cedo... Tão cedo...

 

Um Rio no Tempo

Zebeto Corrêa e Paulinho Andrade

 

Nas horas mortas do dia

Levo a vida, sem pressa

Conforme um rio no tempo

Que navegando às avessas

Seguisse da foz à fonte

Lá onde tudo começa

 

Partindo de algum futuro

Ficcional e distante

O tempo volta os ponteiros

De seu relógio elegante

Séculos se dissipando

Milênios virando instantes

O ciclo do plenilúnio

Retrocedendo ao minguante

 

Partindo do oceano

Com destino às corredeiras

Seguindo o curso dos peixes

Galgando as cordilheiras

Faço crescer as águas

Que correm pelas ribeiras

Buscando o último sono

No colo da cabeceira

 

O ancião que não fui

Em busca da mocidade

Contracorrente, reflui

Ao âmago da eternidade

Olha eu de novo solteiro

Pleno de sonhos e planos

Belo e feliz hospedeiro

Na casa dos vinte anos

 

Como um rio no tempo

Funcionando às avessas

Seguindo da foz à fonte

Lá onde tudo começa

Nas horas mortas do dia

Levo a vida sem pressa

 

Marcha dos Esquecidos

Zebeto Corrêa

Onde a melodia da paixão vem morar

Faz-se um salão florido

Quando o coração quer mais e mais

Reviver velhos sonhos tão esquecidos

 

Quero ouvir clarins anunciando no ar

Marchas de amor, novos cordões

Toda a poesia de um tempo que ficou pra trás

 

Um perfume traz lembranças (velhos carnavais...)

Serpentinas, guerras de confete, foliões

Marcas de batom são rosas no meu paletó

No jardim das antigas canções

 

Já vai amanhecer

“Quem é você” por trás da Colombina?

Sou Pierrot perdido na esquina

A carregar “bandeiras brancas”

 

Já posso ver “pastorinhas” do dia

Varrendo nossas fantasias

Vem ver que “estão voltando as flores” e o sol

Vem “beijar-me agora, é carnaval!”

 

Quase Feliz

Zebeto Corrêa e Paulinho Andrade

Era uma vez

Eu era quase feliz

Havia uma voz

Cantando à meia luz

Canções de amor e paz

Alguém tocava um jaz

Pude sentir meus pés

Tirando-me do chão

 

E levitando sutis

Até a nuvem lilás

De gás e algodão

Então pensei que fosse um show

E que haveria bis

Até não poder mais

E se quebrassem os cristais e espelhos no salão

Mas como já dizia a velha vã filosofia

Quando se é quase feliz o tempo passa veloz

E os deuses todos enciumados tramam contra nós

Pobres mortais

Sem direito a qualquer ilusão

 

E assim a dor atroz

Me pegou à traição

Que terrível algoz

Me devolveu ao chão

Afugentando a voz

Calou toda a canção

E de repente zás

Não era mais a vez

De eu ser quase feliz

e cá estou a sós

E esse silêncio, esse breu

E essa solidão

 

 

Caminhos

Zebeto Corrêa e Manoel Gandra

 

Viajei pelo caminho sinuoso

Passei por onde o sonho se evapora

O meu destino num futuro perigoso

A vida num presente que apavora

 

Vi a manhã por onde o sol saiu

Eu vi a tarde com rosto molhado

Andei por noites como um imbecil

Cambaleando como embriagado

 

Corri por becos, disparei nas ruas

Apavorado como um meliante

Chorei como as mulheres nuas

Choram pela ausência do amante

 

Joguei as fichas em cartas marcadas

Apostei alto em jogo roubado

Brinquei com espada afiada

Corri um risco pouco calculado

 

Mudei o rumo, fui pra outra estrada

Na esperança de não mais chorar

Troquei o dia pela madrugada

Troquei a tarde pelo despertar

 

Me encontrei com quem eu já não via

Fiz amizades que eu não esperava

A cada rosto que pra mim sorria

Mais o meu mundo se modificava

 

Joguei no lixo as visões banais

E transformei a noite escura em dia

Me dedicando pra manter reais

Cada uma de minhas utopias

 

Morena de Granada

Zebeto Corrêa e Jorge Ferreira

 

Um braço moreno entrou em minha janela

Com pulseiras d’água levou para o mar a minha alma

Centenas de dias sem fim, eu perto de você

Você perto de mim, centenas de dias sem fim

 

Agora sou seu barco preso

O mar se vai, o mar de sono se esvai

Sonhei sobre suas águas

 

Sonhei com você morena

Gitana de Granada

Sonhei com você morena, cigana amada

 

Eu nunca cheguei a Barcelona

Nem pelas águas, nem pelo tempo

A distância faz do amor o que o vento faz do fogo

Apaga o pouco e incendeia a dor

 

Soneto em Meia-Sola

Zebeto Corrêa e Caio Junqueira Maciel

 

Eu e meus sapatos somos assim:

Cansados, com nosso couro curtido

Caminhamos nosso caminhar aflito

Pra nenhum lugar, pra nenhum destino

 

Eu e meus sapatos somos assim:

Largados, órfãos do que é definido

Nosso rumo à deriva é nosso rito

E nosso prumo é do luar a pino

 

Eu e meus sapatos somos assim:

Famintos. E os caminhos percorridos

São mais sede e fome aos nossos conflitos

 

Somos sempre os mesmos, desde meninos

Eu e meus sapatos somos assim:

Todos passos seus em busca de mim

 

Banquete da Alegria

Zebeto Corrêa e Bartholomeu Mendonça

 

Manhã de sol, tarde de chuva, noite de lua cheia

Qualquer lugar será bom lugar, qualquer canção clareia

Quem escolheu o ofício fiel, palhaço de toda plateia

Sabe pinçar o ouro do pó, no fundo da bateia

 

Flor na videira, se o vinho é bom, merece o pão de centeio

Qualquer canção é mais sincera se o coração tá cheio

Do alimento bem arrumado em farta cantoria

O sonho bom é na verdade a ceia da alegria

 

Desde janeiro eta nós dois

Levando a festa pra bem depois do arco-íris

Anunciando a boa nova

A mesa é posta pro Banquete da Alegria

De cantar, cantar!

 

Ora viola, já não importa se a lua nem tá cheia

Qualquer lugar será bom lugar, nossa canção clareia

Quem escolheu o ofício fiel, palhaço de toda plateia

Sabe pinçar da flor o mel, das cores, a poesia

 

Desde janeiro eta nós dois

...

Zgłoś jeśli naruszono regulamin